Quando amizades se tornam dependências
- 30 de abr.
- 3 min de leitura
Atualizado: 9 de jun.
E deixamos de saber onde acabamos nós e começa o outro
Fala-se muito de relações tóxicas amorosas. Mas há uma que se instala de forma ainda mais silenciosa, mais invisível e mais difícil de reconhecer: a amizade dependente.
Aquela em que já não sabes se gostas da pessoa ou apenas precisas dela.
Aquela em que tudo o que fazes gira em torno do que ela pensa.
Aquela em que, por medo de perder, te perdes a ti.
Este artigo é para quem alguma vez sentiu que estava a ser engolido por uma amizade. Que deixou de se ouvir para ouvir o outro. Que começou a medir o seu valor pela atenção que recebia.
Este artigo é sobre nós. E sobre quando uma ligação bonita começa a doer.
O que é uma amizade dependente?
A amizade deve ser abrigo, conforto, liberdade.
Mas quando a liberdade desaparece e nasce uma urgência constante de agradar, agradar, agradar, há algo que precisa de ser visto.
Uma amizade dependente não começa com controlo. Começa com ligação intensa. Uma identificação imediata. Aquela pessoa que te “entende como ninguém”, que te diz que “és tudo” e que, no fundo, tu também colocas no pedestal.
Mas com o tempo, começas a sentir ansiedade quando não responde.
Começas a duvidar do teu valor quando ela se aproxima de outras pessoas.
Começas a adaptar o que dizes, o que pensas, o que queres — para não desagradar.
Deixas de viver contigo. Passas a viver para o outro.
Porquê que isto acontece?
Porque somos humanos. Porque precisamos de amor. Porque, muitas vezes, crescemos a acreditar que precisamos de nos moldar para sermos merecedores.
E porque a solidão pode ser tão pesada que até uma amizade que sufoca parece melhor do que estar sozinho.
Às vezes, confundimos intensidade com verdade.
Confundimos possessividade com importância.
Confundimos apego com amor.
E não vemos que estamos, aos poucos, a desaparecer dentro de alguém.
Sinais de uma amizade que já não é saudável
Sentires que tens de pedir permissão para viver outras amizades.
Medo constante de dececionar ou ser “abandonado”.
Comparares-te com as outras pessoas da vida da pessoa.
Culpabilização constante: “se ela está mal, é porque eu fiz algo”.
Sentires-te exausto, mas sem coragem para sair.
Anular os teus sentimentos para evitar conflitos.
Seres manipulado emocionalmente (“eu é que estou sempre aqui, tu nunca”).
Não é preciso haver gritos ou insultos para ser tóxico. Às vezes, basta o peso invisível de viver para o outro.
Onde está o limite entre o amor e a perda de si mesmo?
É aqui que entramos mesmo além do óbvio.
Porque amar alguém não significa precisar dela para existir.
A amizade, tal como o amor, deve ser terra firme, não areia movediça.
Se te perdes na tentativa de ser indispensável…
Se te magoas e, ainda assim, dizes “ela não fez por mal”…
Se aceitas menos do que mereces porque “ninguém me vai entender como ela”…
Então talvez estejas a confundir ligação com dependência emocional.
Não é o outro o problema.
É a forma como nos esquecemos de nós para não sermos esquecidos.
Como quebrar esse ciclo?
Faz silêncio interno. Ouve-te. Pergunta-te: “sinto-me livre ou preso nesta amizade?”
Reconhece o padrão. Nomeia-o. Não precisas de odiar ninguém para ver o que está mal.
Resgata a tua individualidade. Retoma hobbies, relações, opiniões. Sê quem eras antes da fusão.
Faz limites. Não é frieza. É autocuidado.
Procura apoio. Falar com alguém neutro pode ajudar a ver com mais clareza.
Lembra-te: uma amizade verdadeira aguenta espaço. E se não aguenta, talvez não seja tão verdadeira assim.
A amizade deve ser morada, nunca prisão
Se ao leres este artigo sentiste um nó na garganta, um aperto no peito, ou um pensamento a repetir-se — “isto sou eu” —, não estás sozinho.
Muitos de nós aprendemos que o amor, para ser forte, tem de ser intenso. Mas esquecemo-nos que o amor saudável também é leve, livre e recíproco.
O amor que te prende não é amor. É medo.
A amizade que te suga não é apoio. É carência disfarçada.
Neste espaço que é o Além do Óbvio, queremos que comeces a fazer perguntas difíceis. Porque é através delas que a tua consciência acorda.
A amizade é uma das experiências mais bonitas da vida. Mas só quando tu também estás presente nela — inteiro.



Comentários